segunda-feira, 16 de julho de 2012

Quando Ana nasceu,

Quando Ana nasceu,o céu tinha um sol à mais.Havia um cheiro de tulipa em tudo que era seu.É,tulipa.Por que? Não sei.Ana gosta de tulipas.Bom,quando ela nasceu o mundo não parou,não houveram mobilizações,nenhuma visita importante.Era só uma quarta-feira de julho,da qual ninguém irá se lembrar.Eu nunca gostei de quarta-feiras.Sua passagem pela vida,mesmo curta,marcou mais que aqueles beliscões que ela me dava quando eu dizia besteira,e riamos,riamos até ter que limpar os olhos com as mãos sujas.Era extasiante aquela sensação de alívio.Quando ela enrolava os dedos no cabelo enquanto me dizia um segredo.Nosso,e todo nosso aquele jeito de viver.

Ana me ensinou muitas coisas antes de morrer.Me contou sobre seus botões malcriados,sobre suas obras incompletas e seus desatinos infelizes.E eu nunca deixei de me perguntar de onde ela tirava tantos risos.Tanto gozo pela vida.Tanto abraço.Tanto beijo.Tanto amor,tanto brilho.Por Deus!Onde ela enterrou tudo isso? E não foi consigo,sei bem.Eu a observava,e espionava seus atos até os mais simples gestos.Tão puros,tão inquestionáveis.E não me perdoo por tê-la deixado se macular tanto.


- Ana,sinto sua falta.As coisas têm sido difíceis,tudo.Não consigo me levantar um único dia sem me questionar tua partida.Eu sei,não dava mais.E eles não te perdoaram,eles foram tão estúpidos em te rabiscar daquele jeito.Mas,volta.Me abraça,diz que eu consigo,que não existe inferno,que não há mal com que se preocupar.Diz que o céu é da cor que eu quiser.Que as flores falam um idioma que só você entende.Decifra minhas cicatrizes e sonhos como tu fazias.Eu ainda tenho aquele passarinho machucado que tu desenhou pra mim,e me pediu pra cuidar dele,lembra? Eu ainda tenho.Mas,ele vai morrer Ana.Porque ele precisa de você assim como eu preciso de um sentido pra viver.

Não houve resposta.É sempre assim,são três toques e quase no quarto é que o telefone é atendido.Nunca dizem alô.E eu falo,canto,clamo,às vezes até choro,conto uma piada - quase sempre posso imaginar um lábio se esticando num sorriso breve do outro lado da linha - e depois agradeço,desligo.Ninguém nunca responde.
Sabe,eu sinto falta de estar viva às vezes.A verdade é que quando ela se foi levou consigo um pedaço de mim bem maior do que esperava.Quase um quarto de alma e uns dois terços do meu espírito!

Um primórdio,e duas almas se entrelaçaram naquele meio termo.Nos nossos cantos de reabilitação e estórias de   grandes conquistas,ainda éramos tão mortais quanto qualquer um.Eu penso que possa haver um outro pensamento desencontrado no final de alguma montanha no caminho para Minas.Nós enlouquecemos aos pouquinhos não é mesmo,Ana?

As quatro horas já não sou contente como era às duas.E juro que não é birra,que não é aquela fase de ser triste pela qual as pessoas insistem em viver.É só perder a essência.Como se eu soubesse que depois das dezesseis horas não é mais tão divertido estar de pé.Porém,às dezenove estou contente de novo.Depois das dezenove eu sou um rosto estranho passeando pelo centro com anjos quebrados.Meus anjos quebrados.Enfim,digo que depois das dezenove horas sou contente de novo pois há algo com o que se alegrar.Sim,essa alegria menina vem do ato de não  e-s-t-a-r  sozinho,de ter paz ao mergulhar naquele sorriso amarelo.A vida continua,como um relógio quebrado que ninguém quer consertar.Daquele mesmo jeitinho que você esperava que fosse ser pra mim.Eu sinto sua falta Ana,e essa falta não me vai deixar nunca.


Elisama Oliveira

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